[…Bolas, Cisne! – Afirmei, mas baixando a voz – agora estás a misturar a infância com a idade adulta.
–– Não, Escritor. Porque a infância não existe. Ou só existe à distância ou nos outros. Quando tu eras criança...tenta lembrar-te, alguma vez pensaste “ não, isto que eu estou a pensar é estúpido porque ainda sou uma criança”. Pensaste, Escritor? Não! Tu sempre foste adulto a pensar para ti. Tu, e toda a gente, desde que se lembram, só tiveram pensamentos racionais, lógicos e maduros. Que, só depois, à distância, deixaram de o ser.
Fiquei mais um momento calado, tentando assimilar o que aquele ser desconchavado me tentava dizer. Quando lhe respondi, foi com muito mais calma, tentando não azedar uma conversa que até podia ter algum sumo.
–– Mas se nós, ao longo da vida, mudamos tanta vez de opinião e de maneira de ser. Se, há um ano, eu estava convencido de coisas que agora vejo estarem erradas. Então, o que me estás a dizer é que vivemos numa infância permanente.
Os lábios abriram-se-lhe num sorriso radioso…]
In "O Canto do Cisne" de João J. A. Madeira